terça-feira, 28 de abril de 2009

Tempo e vontade

Era uma vez Joana, que nunca tinha tempo para nada. Mulher que se desdobrava em mil para abarcar os filhos, o marido, a casa e o trabalho. Sua vida social vivia entregue às traças, quase não via os irmãos, os sobrinhos, os amigos, nada, ninguém. Seu circuito se resumia a casa-trabalho-casa. Mas, um belo dia, decidiu investir em algo que sempre teve vontade. Numa manhã de domingo, enquanto preparava o almoço na cozinha, cortou o dedo ao tentar desossar um frango. Olhava para aquele frango e imaginava o sofrimento que tivera o animal antes da morte. Teriam torcido seu pescoço? Isso não saia de sua cabeça e enquanto cortava as carnes tenras do animal, sentiu-se um pouco como ele. Ninguém lhe havia torcido o pescoço, mas sua vida parecia tão sufocante que era assim que se sentia, como se a cada dia passasse por uma pequena tortura. Nesse ponto, achava até que o frango tinha mais sorte do que ela, afinal, ele morria assim que torciam seu pescoço, morte instantânea. Quando pequena, já tinha visto sua vó assassinar frangos. Eles deviam sentir a iminência da morte porque gritavam assustadoramente. Alguns eram até mais resignados, mas uma coisa que sempre faziam era bater as asas. De que adianta ter asas se não se pode voar? A vó colocava um pires embaixo do bicho, para não sujar o chão de sangue. Em meio a esses pensamentos, apiedada dos frangos e de si mesma, a faca deslizou e foi-se um corte no dedo. Agora ela também sangrava, assim como o frango de pescoço torcido. Correu para o banheiro para lavar o dedo e colocar remédio que tinha em um armariozinho. Depois que fez um curativo, desistiu de preparar o almoço e pensou em pedir uma pizza. Não estava mesmo com vontade de cozinhar naquele dia. Ficou reflexiva por alguns momentos e acordou o marido, que estava descansando no quarto.

Paixão, amanhã vou me matricular na escola de música.

Escola de música? Você está doida? O que vai fazer lá? Que tempo você tem para isso?

Preciso aprender a tocar piano, antes que cortem meus dedos.

O marido não entendeu bem, mas após alguns minutos de conversa, decidiu não questionar mais a esposa. O fato é que desde pequena, Joana tinha vontade de aprender a tocar piano e sentiu naquele momento que precisava começar.

2 comentários:

Sara Fidiró disse...

Muito bonito.
Gostei muito do sentimento que sobressai através da história.

Um beijinho

Sara Fidiró disse...

Quem agradece sou eu.
Gosto de ler e encantar-me com os blogues de outros. Blogues de sonho, de encanto, de paisagens, mas tão diferentes!

Tanta beleza que emana atraves do seu blogue.

Um beijo