segunda-feira, 6 de abril de 2009

Fração

Bom dia! Disse ao entrar naquele táxi.
Vai para o mesmo lugar?
Vou.
...
O que será que ela faz? Onde será que trabalha? Sempre que pega este táxi o destino é mesmo, mas não faz isso todos os dias, provavelmente só precisa de mim quando está com muita pressa. Gostaria de conversar com ela, mas me faltam as palavras. Ela sorri para mim quando nossos olhares se encontram no vai-e-vem de todos os dias. Certa vez, passou por mim e pensei que ia entrar no táxi, mas seguiu em frente, sempre imponente, com ares de majestade. E esse perfume... Sempre que deixa o táxi, fica o cheiro de sua presença. Deve morar perto do ponto de táxi, já a vi por aqui até nos finais de semana. Já está perto. Ela vai descer e agradecer, sempre cordial. Acho que não gosta muito de conversar. Nunca puxou assunto comigo. Talvez não queira que eu participe de sua vida. Não deve gostar de se envolver. Será que é casada? Tem cara de quem mora sozinha.
...
Ele já conhece meu roteiro. Queria ver a expressão dele se eu dissesse que iria para outro lugar. Certamente, ficaria curioso para saber o motivo da mudança. Como é invasivo! Deve ter vontade que eu converse com ele, mas definitivamente não tenho paciência para bater papo com estranhos. Ainda mais quando esse estranho conhece meu roteiro. Provavelmente, fica especulando sobre minha vida, o que faço, onde trabalho. Não gosto disso. Um dia, passei perto do ponto de táxi e ele estava lá. Inevitavelmente, olhei meu reflexo no vidro do carro dele, não porque era o carro dele, mas porque tenho a mania de me ver em tudo que reflete. E ele me encarou fixamente nos olhos, aguardando o meu reconhecimento. Sorri, afinal, sou educada. Depois desse dia, acha que temos alguma intimidade. Deve estar ganhando bem, agora o táxi dele tem bancos de couro. Melhor assim, o estofado já estava bem desbotado. Será que ele vai ter o troco?
...
Obrigada!
Tenha um bom dia!
Tchau!
...
Nunca tinha dado tchau... Da próxima vez, talvez comente sobre o tempo.

Um comentário:

Laboratório Sonoro de Hortas Urbanas disse...

Iria dizer que este post é a cara de são paulo, mas não...é a cara do mundo. Solidão pura elevada ao quadrado. Em sampa sente-se mais isto. Mesmo morando co cachorro, filho, mulher, sogra, papagaio,etc. Essa cidade é uma cidade de solitários profissionais. Belo texto.