quinta-feira, 1 de maio de 2014

Somos todos macacos?


Em tempos de Copa do Mundo, no país do futebol, o assunto do momento é a banana que atiraram em uma partida entre o Barcelona e o Villarreal, na Espanha, ao jogador brasileiro Daniel Alves, o macaco da vez. Eu, que não gosto de futebol e pouco acompanho as notícias relacionadas a esse esporte, diante da repercussão do caso, acabei me deparando com outras matérias sobre atos de racismo em campos de futebol europeus contra os jogadores não somente brasileiros, mas todos aqueles de etnia negra. Em viagem recente à Europa, inclusive estive na Espanha (pretendo escrever um post sobre a viagem), vi muitos negros em condições de subemprego como vendedores de bugigangas, souvenirs, produtos falsificados, ou em outros empregos de menor valorização profissional, como por exemplo camareiros de hotel. Então, ao misturar todas essas imagens na mente, lembrei-me de um livro de Frantz Fanon, "Peles negras, máscaras brancas". O livro foi escrito na década de 40 ou 50, não sei ao certo, mas ainda se mostra atual, por uma fatalidade que vemos perpetuar-se em cada gesto como o ocorrido esta semana, naquele campo de futebol, e seus desdobramentos. Uns criaram a campanha #somostodosmacacos. Outros, em contraposição, levantaram a bandeira #somostodoshumanos. Certo é que ambos apregoam o combate ao racismo, ao chamar a atenção para o fato de que somos todos iguais.

E por que o livro de Frantz Fanon me veio à mente? Por toda a simbologia presente em sua obra, na qual aborda os efeitos do colonialismo e do racismo na sociedade, especialmente os conflitos pós-coloniais ocorridos nas Antilhas, com destaque para a ilha da Martinica, onde nasceu, local conhecido por suas plantações de bananas, onde, inclusive, há um museu chamado Museu das Bananas, ponto turístico da ilha. Não vou me estender sobre a obra de Fanon, mas recomendo a leitura para aqueles interessados em explorar melhor o tema. A obra é extremamente simbólica, apresenta análises muito pertinentes de propagandas, canções, filmes, dentre outros, em que os negros são colocados no lugar de subalternos e, guardadas as devidas proporções, as análises são bastante atuais.

No Brasil, perpetua-se a ideia do multiculturalismo, da democracia racial, mas convivemos, ainda, com o racismo velado, que faz parte do inconsciente coletivo, mesmo sendo um país altamente miscigenado, temática que renderia muitas linhas... E aos olhos do mundo, o que somos? Macacos? Para alguns (espero que seja somente alguns), sim, com toda a carga simbólica negativa que essa comparação possa ter, infelizmente.  Somos todos macacos? Não, prefiro levantar a outra bandeira de que somos gente, somos humanos, e digo isso não por alguma deferência negativa de minha parte aos macacos, que por sinal eu adoro e são muito inteligentes, mas porque entendo que levantar a bandeira de que todos somos macacos, carrega a marca semântica pejorativa que acompanha historicamente essa comparação. 

Deixo aqui um trecho do prefácio do livro de Fanon, para reflexão:

“O negro é um homem negro; isto quer dizer que, devido a uma série de aberrações afetivas, ele se estabeleceu no seio de um universo de onde será preciso retirá-lo.

O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais nada menos, liberar o homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o branco e o negro.

Tenazmente, questionaremos as duas metafísicas e veremos que elas são freqüentemente muito destrutivas.

Não sentiremos nenhuma piedade dos antigos governantes, dos antigos missionários. Para nós, aquele que adora o preto é tão “doente” quanto aquele que o execra.

Inversamente, o negro que quer embranquecer a raça é tão infeliz quanto aquele que prega o ódio ao branco.

Em termos absolutos, o negro não é mais amável do que o tcheco, na verdade trata-se de deixar o homem livre.”

Um comentário:

S* disse...

É tão doloroso reconhecer o racismo.